As tecnologias disruptivas têm impactado os mais diversos segmentos e atividades econômico-sociais e, evidentemente, não seria diferente com o mercado de capitais. Não é de hoje que a automação permeia as operações em bolsa de valores – pelo contrário, já faz tempo que grande parte do mercado apenas imagina o que eram os pregões em viva-voz nas antigas bolsas Bovespa e BM&F. Nesse cenário de convívio com as tecnologias, o mercado de capitais recebe uma nova alternativa: os chamados “robôs de investimento”.
Embora popularmente conhecidos dessa forma, os robôs de investimento são, na realidade, serviços de inteligência artificial oferecidos a investidores por instituições financeiras.
Trata-se de sistemas automatizados baseados em algoritmos e programados para tomar decisões de investimento a partir de um conjunto de informações. Por exemplo, o perfil do investidor, dados de determinado ativo, notícias que possam influenciar sua cotação e histórico de negociações (machine learning). A regular utilização da inteligência artificial para este fim está sujeita à obtenção do registro apropriado na CVM, que pode variar a depender da atividade automatizada desempenhada. Considerando essa diferença, os robôs são divididos em dois grandes gêneros: os robo-advisors e os robo-traders.
Robo-advisors Os robo-advisors são aqueles que baseiam suas decisões no perfil do investidor.
Eles podem ser subdivididos em robôs consultores, que apenas recomendam investimentos a serem feitos pelo próprio investidor, e os robôs de gestão, que realizam os investimentos automaticamente.
A utilização dos robo-advisors visa a aumentar a eficiência das negociações em bolsa, otimizando a exploração dos investimentos por meio de análises rápidas que minimizam os efeitos humanos (como erros e vieses, por exemplo), devendo respeitar as regras relacionadas à adequação do análise do perfil do investidor, também conhecido como suitability.
Robo-traders
Já os robo-traders são aqueles que baseiam suas decisões em padrões de preço pré-fixados pelo investidor e efetuam operações sem a intervenção humana.
Eles costumam ser empregados para implementar a técnica de negociação conhecida por High Frequency Trading (HFT), que consiste na negociação de um alto volume financeiro com o fim de executar, dentro de frações de segundos, várias transações e lucrar com as flutuações das cotações dos ativos.
Embora a prática do HFT não seja, por si só, prejudicial, ela pode se chocar com dois importantes alicerces do mercado de capitais: transparência e equidade.
Isso porque a velocidade das negociações somada à possibilidade de cancelar ordens pode criar uma percepção de oferta e demanda artificiais, intervindo indevidamente na formação de preços dos ativos e induzindo o investidor a erro.
Nesse cenário, o HFT pode criar condições para o cometimento do ilícito de manipulação de preços no mercado de capitais, especialmente nas modalidades spoofing e layering.
Vedados pelo art. 2º, II, “b” da Resolução CVM nº 62/2022, o spoofing e o layering são expressões que designam o envio de ordens sem a intenção de executá-las, criando uma aparência de liquidez sobre determinado ativo financeiro.
Nessa perspectiva, há o envio de ofertas tanto no sentido de compra quanto no sentido de venda, sendo apenas uma delas desejada. A outra é meramente fictícia.
A falsa oferta cria uma pressão sob esse polo do livro, induzindo que os demais investidores modifiquem suas ordens para acompanhar a negociação. E, após atingir o valor da oferta realmente desejada, as artificiais são canceladas. A despeito das características comuns, o spoofing e o layering não se confundem: o primeiro se caracteriza pela inserção de uma única oferta fictícia em lote expressivo; o segundo, pela inserção de sucessivas ofertas artificiais de pequenos lotes.
Não é de hoje que a inteligência artificial é amplamente utilizada no mercado de capitais, e a tendência é que esse uso seja cada vez mais explorado de forma criativa. Portanto, a utilização da inteligência artificial às negociações em bolsa representa um desafio regulatório já tem tempo – talvez tão perene quanto à criatividade e a possibilidade de inovação no mercado de capitais.
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